16/08/2010

CRÔNICA SOBRE O SABESPREV MAIS.
Não deixe de ler!

16/08/2010

NA MARCA DA CAL
José Carlos Santos Peres

O consultor ajeita a tela do notebook para que nela eu veja minha vida de contribuições á Previdência Privada. Lá estou com os meus caraminguás economizados ao longo de quase duas décadas, com a tarja em vermelho mostrando que no acerto atuarial tenho contas no prego.

Quando do pagamento da primeira parcela, no início da década de noventa, minha perspectiva de vida não chegava aos setenta. Agora, o consultor me dá uma boa notícia: estamos vivendo mais, companheiro! Sorria, matusalém!

Mais tempo para ver o sol nascer e o Guaratinguetá jogar... Mais tempo de manteiga no pão, churrasco para a sogra, cerveja para o Cunhado Que Pensa Que O Sofá É Dele (e o controle remoto também); mais tempo de Silvio Santos e piadas do Faustão... E, como ninguém é de ferro, mais tempo de Juliana Paes... Indo!

Antigamente era raridade o sujeito passar dos 80. Belo, redondo e definitivo conjunto numérico esse... Hoje, não é incomum nossos pais e avós pulando corda aos 90 anos de idade.

Mas vamos ao acerto das contas, que apesar de suplementar e poupar, devo! Concluo, aliás, que fiz uma espécie de poupança ao contrário... Menos mal, que ainda dá para raspar o tacho.

Então faço a migração de um sistema fechado para um outro, flexível, onde poderei gerenciar minhas economias, evitando defasagem e surpresas desagradáveis quando a porca da aposentadoria torcer o rabo.

E ao fazê-lo vem a trágica pergunta do moço do notebook, insultuoso em seus vinte e poucos anos e um futuro que – dada a curva ascendente na chamada Tábua de Vida – vai ultrapassar a barreira dos cem, com um pé nas costas e outro no pedal da ergométrica:

- Quantos anos o senhor pensa em viver, ainda.

Confesso que o “ainda” causou-me urticária.

- Como, ainda?

Ele precisa fazer um simulado, confrontando capital acumulado e expectativa de vida. Mas me pegou desprevenido com a pergunta. Deveria ter me submetido antes a um tratamento preventivo dizendo-me do aspecto democrático do acontecimento que a todos contempla, citar um “da morte ninguém foge”, “até o Obama vai bater com a caçoleta” ou “as duas únicas certezas que temos em vida são: o Corinthians fora da Libertadores e a Indesejada da Gente chegando sem prévio aviso”.

Até então não havia pensado na possibilidade da morte, essa condição inerente... Tinha uma leve desconfiança de sua existência, desde quando o meu canário da terra amanheceu esturricado. Confrontado com a sua existência, porém, meu mundo caiu e chafurdou no desespero.

Assim, na bucha, numa variação lingüística de “quantos anos lhe restam, senhor”, foi de irar o chão de quem, até então, pensava ter sido escolhido para semente... Gaguejei.

- Bem, quantos me restam não sei... Não houve aquela mola na testa do Massa? Como diz a propaganda daquele banco que nos quer vender seguro: vai que...

O campo do Simulado precisa de minha resposta. Tenho de dizer, do alto dos meus 57 anos, com quantos “ainda” tenho de me fazer. Timidamente respondo, perguntando:

- Quarenta?

O rapaz me olha... A educação não o permite questionar. Mas ele olha para os meus cabelos ralos, para os vincos que se acentuam em meu rosto, para estas mãos trêmulas que mal sustem o permanganato na ranhura da pipeta; para estes olhos que mal conseguem dimensionar os números na tela do seu computador...

- Trinta e cinco? E quatro? Trinta e dois?

Oitenta e nove anos, se com mais 32 na conta futura... Conheço tanta gente com oitenta e cacetada que nem precisa de canja ou de Viagra... Mas antes do rapaz projetar os anos que imagino me restarem, reconsidero:

- Põe aí vinte e cinco... E não se fala mais nisso! Pronto, acabei de definir o meu “ainda”. E a partir dessa definição me pego: “quantas copas, ainda”, “quantos filmes de Woody Allen?”, “quantas brisas pelas manhãs e beijos na boca?”.

E agora, quando alguém chega com o “sabe quem morreu?” devolvo, antes de perguntar pelo nome: “quantos anos ele tinha?”. Não é por nada não, é só para saber do tamanho e do peso do meu “ainda”.

José Carlos Santos Peres é da Sabesp - Divisão de Avaré